quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Boa noite, Florzinha.

Não consigo dormir. Então, aproveito pra te escrever. Fui na médica, sim. E é sempre tão difícil. Acho que lá dentro - bem lá dentro - é sempre como se fosse aquele sete de setembro. Mesmo 13 anos depois. Não me acostumo. Acho injusto e ando terrivelmente cansada disso tudo. Não queria ter que me preocupar com remédios e exames, nem com isso de ter dinheiro pra remédios e exames. Não o tempo todo, sabe? Queria poder deixar pra lá vezenquando. Mas, é impossível. Fora os medos todos. De como vai ser mais pra frente.

As pessoas dizem que vai ficar tudo bem e eu tento acreditar. Mas hoje, eu tô triste. E com TPM. Aí, tu sabe. Eu sei que tem um monte de gente com problemas infinitamente maiores e que tenho uma sorte medonha em vários aspectos. Mas, ainda assim.

Vixe... Tu deve estar ficando preocupada. Carece não, viu? Vai passar. Sempre passa. É só o fim de um dia complicado. Mas, tô bem. De verdade. Acho que tenho lidado melhor com isso tudo. Já doeu mais. Já foi mais assustador. Aliás, tenho aprendido a lidar melhor com um bocado de coisas e penso que esse é o benefício do tempo.

Fora isso, muito trabalho. O bom é que a agonia tem sido menor esses dias. Quase ia praí hoje! Qua-se. Mas, nem ia dar tempo de te ver. Era chegar, ir pra reunião e voltar. Quero muito passear de novo pelas ruas de Salvador e da próxima vez, levar Caio. Ele não conhece tua cidade e acho que vai gostar muito. Eu só tenho ótimas lembranças e muita vontade de voltar. Ainda mais agora que tem tu, de quem sou Girassol.

Ah! Próxima quinta, tem show do Teatro Mágico que tu tanto gosta. Engraçado, foi que perguntei a um amigo meu que foi naquela apresentação do Marco Zero e ele disse que é como Cordel, com sotaque paulista. Já outra moça que conheço, disse que nunca viu coisa mais bonita nessa vida.

Fico curiosa, mas acho que vai ficar pra próxima. Quem sabe nessa próxima tu consegue aquelas férias e vem? Quem sabe até lá, eu já vou estar de novo na minha casa? Nem te contei, mas fui ver apartamentos e tô muito animada com essa novidade. Mas, muito mesmo. Porque aí, vou poder trazer pra perto todo mundo que eu amo, feito tu. E mostrar o Recife que é tão meu, entre um sorriso e outro.

Agora, preciso ir, que amanhã acordo cedo.
Todos os beijos,
Briza.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Notícias de cá

Faz tanto tempo que estou pra te escrever, mas sempre vai ficando pra amanhã e parece que amanhã nunca chega. Hoje é sexta e em casa tem festa, e enquanto os amigos não chegam, eu aproveito pra te contar uma novidade. Pai, eu vou me casar novamente. Na mesma data do primeiro casamento e com a mesma pessoa. Há seis anos eu que pedi o Hugo em casamento, agora foi ele quem quis casar. É que a gente passou por tanta coisa, pai. Tanta! Mil vezes a gente se apaixonou e desapaixonou - um pelo outro e cada um de nós por outras duas pessoas. Outro dia ouvi num seriado de tv um personagem dizendo que a relação a dois se resumia em jardineiro e flor. Um que cuida e outro que é cuidado. Nesses seis anos fomos, os dois, muito flor. Faltou cuidado, sabe. E o recasamento surgiu da vontade de nos dar mais uma chance - não uma chance preguiçosa, mas uma chance de verdade -, queremos acreditar que pode sim dar certo. Vamos escrever um documento com várias cláusulas, que são as nossas vontades para essa nossa fase nossa. Vamos assinar, e os nossos padrinhos também. A cerimônia vai ser aqui em casa mesmo, coisa simples, eu nem vou me vestir de Greta Garbo dessa vez, mas vou colocar um vestido bem bonito e uma sandália baixinha. Tô até pensando já como vai ser, mas vou comprar o vestido uma semana antes da data, porque já decretei regime e estou fazendo exercício todos os dias, pra ficar bem bonita no dia. É, eu tô bem gordinha, pesando 59kg. Até o dia 27/10 pretendo chegar nos 54. Será que consigo? Eu tenho que comer menos Nutella e mais rúcula.

Um pouco depois de você partir, nos mudamos pra Fortaleza, foi uma das últimas notícias que você teve. E lembro que, ainda no hospital quando te contei, torceu o nariz. Me disse que eu combinava com a garoínha da nossa terra. Passou um ano, pai, o Hugo ficou deprimido na cidade do sol e decidimos voltar. Daí, mil coisas aconteceram. Hoje moramos no Ipiranga, o bairro do qual você sempre dizia que só sairia no caixão. O bairro mais são-paulino que eu conheço. Aliás, nosso time está numa fase incrível, dá gosto de assistir aos jogos. Semana passada Nara me pediu uma camiseta do São Paulo e eu sorri e, claro, pensei em você. Você teria muito orgulho da sua neta, pai, tenho certeza. Quase te vejo passeando no Parque da Independência de manhãzinha de mão dada com ela. Estaria sendo um avô incrível pra minha filha. Temos uma cachorra chamada Ella (Fitzgerald), é da mesma raça que era Tutuca, mas é um tipo menor. Agora preciso ir porque o interfone tá tocando.

Você vai fazer falta no meu casamento.
Sinto saudade, pai. Tanta que às vezes dói demais.

Um beijo,
da sua Mariquinha.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Miss,

Já não tenho mais envelopes azuis lá em casa. Já não tenho envelopes, nem moro na mesma casa. Tudo mudou tanto desde que tu foi embora! Ao meu redor e aqui dentro. Tutu foi morar em Brasília e eu voltei pra casa da minha mãe. Não escolhi essas mudanças, elas aconteceram e pronto. Recebi a notícia e em uma semana a gente arrumou tudo, pra ele ir e eu ficar. Mais de 7 anos guardados em caixas de papelão. Doeu que só. Dói ainda. Mas, tô me acostumando. É, porque a gente se acostuma. Estancar, nunca estanca. Sinto falta de coisas que não faziam a menor diferença, sabe como é? Acho que tu sabe. Ou adivinha. Agora, tudo parece menos estranho e fora do lugar. Vezenquando, tenho crises. E sinto um medo danado de não agüentar tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. O bom é que isso tem acontecido cada vez menos e passado cada vez mais rápido. Nos fins de semana, vou pra Fortaleza ou Caio vem. Quase sempre é assim. E é tudo tão novo, Miss. Um aprendizado. Porque a gente é diferente que só. E a distância, nêga, complica tudo. Principalmente pra mim. Ele é sossegado e não se atrapalha com esses quilômetros todos. Já eu... Mas, é tanta vontade de ser melhor pro outro, tanto vontade de não pecar pelas mesmas faltas e excessos. Um cuidado constante. Tô aqui, olhando pra lá. O tempo todo. E sentir isso de volta é tão raro e tão feliz. Aff... Acho que é uma sorte medonha. Nessa vida. E acho que mereço demais.

Daqui, te beijo,
Briza.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

O começo da correspondência

Tatit, amiga linda*,

a vida anda corrida pelas bandas de cá, com muito trabalho se acumulando na minha mesa e outros tantos sonhos se formando na minha cabeça. Voltei a ouvir muito Otto, que me lembra tanto a minha vida em Recife. Também descobri Dona Inah, você conhece? Uma voz tão forte de samba, de histórias vividas com intensidade. Escuta. A casa está tomando ordem, depois de três anos morando com Marcelo comprei um guarda-roupas. Ficava adiando, para fazer armários embutidos na casa nova que queremos ter. Mas o dinheiro anda curto, então melhor comprar logo o guarda-roupas que é mais acessível que uma casa. Fiquei feliz deveras com essa bobagenzinha, de arrumar as camisetas e as saias em seus devidos lugares, em pendurar meus vestidos nos cabides. Ficou bonito, tudo colorido ali. As camisas de Marcelo impecáveis penduradas. Cada um do seu lado e um espaço no meio para ser uma "área comum" do casal. Acho que é meio como queremos deixar nossa vida. É que preciso de minha individualidade e sei que tu vais entender quando digo isso.

Estava vendo as tuas fotos de café da manhã, como a Nara está grande! Os teus cachos nela, fiquei tão emocionada... acho lindo quando os filhos se parecem com os pais, mesmo que nem seja fisicamente, num gesto, numa frase... eu acho. Tu acredita que Briza ainda não pegou a bolsa de joaninhas dela? Vem tão corrida por cá, acabamos não nos vendo. Uma vez a vi mas esqueci de levar o teu presentinho. Se ela não pegar nesse fim de semana eu mando por Sedex, prometo, visse? Como estão as aulas de Francês? Uma amiga do trabalho começou a ter aulas, fiquei com vontade também. Quer fazer um curso comigo por correspondência não? Bora usar a modernidade dessas ferramentas, webcam, Skype, formar turma, lançar um novo conceito. Bora, bora, bora? Eu abandonei a minha turma de Inglês, era à noite, eu não conseguia sair do trabalho a tempo. Fiquei triste, comprei até os livros, fiz lição, treinei em frente ao espelho. Vou tentar em dezembro, aulas intensivas lá no Senac para não perder tanto. Às vezes acho que perco muito. As pessoas acham bom quando falo do emprego mas eu nem acho essas coisas todas. Assim, eu gosto, faço bem, sou boa demais sem falsa modéstia, paga minhas contas, mas eu construo o quê mesmo? Não sei... será a volta de Saturno me aperriando o juízo?

Eu tava lembrando dia desses das conversas da gente lá no jardim da tua sogra. Como a gente quer as coisas, Tatit, como a gente quer. E por que a gente não vai atrás, hein? Por que a gente deixa passar? Eu fico aqui, torcendo pra tu voltar um dia ou eu ir. A gente vai fazer as coisas acontecerem, vai dar colo uma pra outra e vai morrer de sambar no meio da sala, com uma cerveja gelada na mão e as crianças ao redor. Pois é, crianças. Tenho pensado em ter filho, veja você que coisa... mas é pra daqui a uns dois, três anos, quando João crescer mais e a gente não tiver mais tantas "obrigações". Aí vou fazer lista de meta, tipo aquelas de fim de ano e vou cumprir tudinho, começando por uma ida a Sampa conhecer tua casinha e terminando em parir um filho de Marcelo e meu. Terminando não, porque aí é que começa, né? Mas daí já terei tempo para fazer uma lista nova, com tu vindo me ver e passando carnaval lá em Pernambuco. Eu me animo quando penso nessas coisas. Marcelo pegou dengue, nem é das mais fortes, graças a Deus. Só dor de cabeça e febre e eu gosto de cuidar dele, de ir comprar coisinhas bacanas pra ele comer, de deixar ele dormir até mais tarde. É amor mesmo, nêga. Tivemos uma briga feia essa semana, sofri muito e acho que ele também. Mas acho que resolvemos, quer dizer, estamos resolvendo porque uma dor não se cura assim logo. Pelo menos em mim não. Importante que a gente quer que passe. Afe como eu tou faladeira, né? Deixa eu ficar por aqui, esperando tu me responder. Vou colocar essa carta nos Correios num envelope colorido que nem a gente. Te amo. Pra sempre.

Van.

*Originalmente publicada no blog "Assumo os Pecados", essa carta deu origem ao "Cartas de Nós", de correspondências entre três amigas que estão em estados diferentes. Os destinatários serão os mais diversos.
Elas querem escrever e esse é apenas o ponto de partida.